sexta-feira, 14 de maio de 2010

Diz que és um deles, Uwem Akpan

No nosso mundo civilizado e desenvolvido sentimo-nos seguros. Mas e se não fosse assim? Se, para salvar uma vida, tivéssemos de sacrificar a nossa própria existência? E se soubéssemos que mesmo isso não seria suficiente? O que poderíamos fazer, então?
As cinco histórias que constituem este livro são revoltantes na crueldade que reflectem, e mais terríveis se tornam pelo muito de verdade que contêm, de uma verdade violenta e dolorosa para com os mais inocentes: as crianças. E em cada história, desde as que têm pouco mais que dez páginas, às que se alongam por bem mais que isso, o autor apresenta traços da realidade, de uma verdade cruel, mas ainda presente em certos países de África, onde é possível vender uma criança (mas voltar atrás já não), onde um sinal de fé justifica a morte, onde diferenças tribais obrigam à violência aqueles que entre si criaram grandes relações de proximidade.
É um livro forte, acima de tudo perturbador. As situações que o autor descreve são, por si só, chocantes e ganham ainda um maior impacto ao serem relatadas pela voz de crianças, dando muitas vezes voz a uma inocência e a um optimismo quase incompreensíveis. E se, por vezes, a leitura se torna um pouco complexa, devido à quantidade de expressões oriundas dos dialectos africanos, o impacto das situações retratadas em cada conto supera em muito essa dificuldade inicial. Fica, ainda assim, uma nota muito positiva para o trabalho da tradutora (Cristina Correia) que, num livro tão abundante em termos estranhos, deve ter encontrado um grande desafio, mas que o superou com distinção, apresentando um excelente trabalho.
Este é, em suma, um livro que marca e que comove. Evidente no sofrimento que reflecte, profundo nos assuntos que traz à luz, infinitamente triste na sua realidade. E, mais que tudo isso, um livro que nos faz pensar como é possível que, na época em que vivemos, ainda sejam possíveis situações como as que estas histórias nos contam.

1 comentário:

  1. Sem dúvida, Carla/Silent Raven, um livro perturbante de uma realidade que coexiste com a nossa, por mais que nos custe a crer.
    Sinto-me lisonjeada pela referência ao meu trabalho, pois raras vezes os leitores se apercebem da dificuldade de certos projectos. Obrigada pelas simpáticas palavras.

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