sábado, 5 de junho de 2010

Sentimentos Perigosos (Miguel Areias)

Carlos é um indivíduo perturbado. Os seus constantes pensamentos negros e uma tendência em parte depressiva, em parte revoltada, fazem com que o único refúgio para a sua mente esteja na violência. E por isso Carlos divaga pelas ruas, noite após noite, seleccionando alvos entre as classes mais baixas da sociedade para satisfazer a sua necessidade de morte. Esta, contudo, vai agravar-se no dia em que conhece Lúcio, figura perturbadora que lhe oferece um novo nível de realização num acto de violência tal que possa mudar os rumos do mundo.
Se uma palavra houver para descrever toda a essência deste livro ela será, sem dúvida, perturbador. Não só pelos actos de quase constante violência da parte do protagonista, mas pela sua forma de pensar que, descrita na primeira pessoa, chega a inspirar ódio. Sendo cada situação mais complicada e chocante que a anterior, e particularmente depois de Lúcio entrar em cena, a perturbação profunda na mente de Carlos chega a ser aterradora. E, à medida que os acontecimentos se sucedem, este elemento perturbador torna-se progressivamente mais forte com a insinuação velada, mas quase constante, de uma total ausência de redenção.
Em oposição a um conteúdo tão denso e tão negro, é curioso notar a simplicidade e a fluidez da escrita. O autor não perde demasiado tempo em descrições, revelando quase sempre apenas o necessário para mostrar o que pretende. E se, de um modo geral, esta estratégia funciona bem, também é verdade que há momentos (particularmente nos capítulos iniciais) em que tudo parece ser demasiado fácil.
Não sendo uma obra perfeita (por vezes dá a impressão de que podia ser mais desenvolvida), não deixa de ser um livro que se entranha na mente do leitor, semeando perturbação. E, apesar do cenário (físico e mental) destrutivo que permanece ao longo de todo o livro, a verdade é que as cerca de 150 páginas deste livro se percorreram surpreendentemente bem. A evocar por vezes obras como A Laranja Mecânica ou American Psycho, foi uma leitura que, apesar de sinistra e perturbadora, não deixou de me cativar bastante.

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