quinta-feira, 23 de junho de 2011

A Lacuna (Barbara Kingsolver)

Filho de pai americano e de mãe mexicana, Harrison William Shepherd viveu a sua vida entre ambos os países sem pertencer verdadeiramente a nenhum. E esta é a sua história, desde a criança arrastada de um lado para o outro segundo o rumo das aventuras amorosas da mãe, ao cozinheiro de Diego Rivera e Frida Kahlo, depois secretário de Lev Trotsky e, por fim, escritor de romances históricos primeiro adorado, depois odiado. O percurso de uma vida discreta, contada pela sua própria voz, mas também uma história sobre as memórias pessoais e as grandes verdades da história - não necessariamente do ponto de vista dos vencedores.
Cativante, ainda que de ritmo bastante pausado, este é um livro que marca principalmente pela forma completa como caracteriza não só o protagonista, mas o mundo segundo os olhos dele. Com uma estrutura peculiar, englobando artigos, criticas e os diários pessoais de Shepherd, é particularmente interessante a forma como a voz narrativa se adapta para acompanhar o crescimento efectivo do narrador. Os seus diários de infância têm um tom completamente diferente dos seus últimos escritos e, ainda que os valores essenciais permaneçam os mesmos, a postura perante o mundo torna-se mais realista. Além disso, as intervenções da arquivista (e a sua própria história), bem como os elementos associados à imprensa permitem uma visão bastante completa do ambiente onde a história de Shepherd se situa.
Há grandes verdades a serem abordadas ao longo deste livro, principalmente no que respeita à questão do comunismo e dos comportamentos antiamericanos, bem como toda uma caminhada ao longo da história e das suas mudanças ao longo do tempo de uma vida humana. Há também uma visão bastante amarga dos poderes e comportamentos da imprensa, já que a vida do protagonista acaba por ser condicionada por uma opinião pública manipulada e pela descontextualização das suas palavras. Todos estes aspectos, e ainda a história de Diego e Frida, e também de Trotsky, são explorados de forma cuidada, atenta, detalhada, e o resultado é um livro onde, quer pelas pequenas coisas que afectam o protagonista, quer pela visão da história através dos seus olhos, abala e apela à reflexão.
Não é, de forma alguma, uma leitura leve, já que, apesar da fluidez da escrita e da beleza das descrições, os temas são pesados e abordados com a seriedade que merecem. É, ainda assim, uma leitura cativante, marcante, quer no aspecto histórico, quer na forma como personagem comunica com o leitor. E é por isso, acima de tudo, que este livro fica na memória.

1 comentário:

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