domingo, 2 de outubro de 2011

A Arte de Chorar em Coro (Erling Jepsen)

Visão, pelos olhos de uma criança, de uma vida familiar igualmente marcada pelos gestos do quotidiano ou pelas improváveis complicações que pontuam a vida, esta é a história de uma família entre a estranheza e a banalidade. Pequenos conflitos e grandes loucuras, crimes silenciados e fugas para os pequenos demónios surgem, em simultâneo, como normais e como inaceitáveis, através da visão de um narrador que é, ao mesmo tempo, protagonista, e que não conhecem outra vida senão a da estranha família a que pertence.
É impressionante a forma como sentimentos tão vastos e tão contraditórios podem ser transmitidos com tanta simplicidade e, ainda assim, deixar uma marca tão forte. A aparente simplicidade da escrita, reflectindo a juventude e, principalmente, a ingenuidade do narrador, não retira profundidade ao conteúdo, dando-lhe, pelo contrário, um maior impacto. E a conjugação de circunstâncias intoleráveis (mas que são serenamente aceites pelo protagonista, a quem basta que tudo fique "bem"), com os inevitáveis conflitos da infância e uma certa medida de ambição pessoal, dá forma a uma narrativa que, com cativante fluidez, é, ao mesmo tempo, leitura compulsiva e necessário apelo à reflexão.
No que toca a acontecimentos perturbadores, há um pouco de tudo neste livro: incesto, fugas de casa, loucura, assassínio... E, ainda assim, o que mais marca - e isto é particularmente evidente precisamente pela ingénua aceitação por parte do narrador - é a forma como todas estas circunstâncias são abordadas, por parte da família, apenas na medida em que condicionam a imagem familiar perante a sociedade - e, consequentemente, as suas ambições.
Trata-se, pois, de um livro que, pelo contraste entre a ternura de alguns momentos e os distúrbios familiares que, com o evoluir do enredo, se tornam mais e mais perturbadores, evoca sentimentos contraditórios. Mas é precisamente este misto de sentimentos, este contraste entre normal e disfuncional, entre a verdade e o que é visto por olhos ingénuos, que faz com que este livro fique na memória. Um interessante contraste entre a simplicidade da voz narrativa e a complexidade do conteúdo. E uma leitura impressionante.

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