terça-feira, 25 de setembro de 2012

Uma Deusa na Bruma (João Aguiar)

Quando nasceu, Túrio era uma criança frágil e ninguém julgava que sobrevivesse por muito tempo. Mas, longe da robustez física de um guerreiro, Túrio cresceu, ainda assim, para desempenhar um papel maior entre o seu povo, em tempos conturbados. Consagrado a um deus e escolhido por outra como seu receptáculo, Túrio tornar-se-ia a voz de presságios e acontecimentos por vir para as gentes de Tarróbriga. Mas seria, também, necessário que o jovem renunciasse a todas as suas vontades para desempenhar a sua missão. E que, desejando, apesar de tudo, ser dono das suas escolhas, sofresse por isso...
Dois aspectos sobressaem ao longo da leitura deste romance: o cuidado na contextualização da época em que decorre e o percurso do protagonista através do seu difícil crescimento. Ambos são elementos que são explorados com bastante pormenor e ambos tornam necessária uma forte componente descritiva, que torna o ritmo de leitura algo pausado. Mas nunca aborrecido. Os pormenores históricos, o contexto da guerra com os romanos e o desenvolvimento das crenças do povo de Tarróbriga e dos que os rodeiam são feitas com bastante detalhe, mas de forma gradual, acompanhando o ritmo do crescimento e da aprendizagem do protagonista, e complementando a sua história. Mantém-se, assim, viva a curiosidade em querer saber mais, até porque a forma como homens prestam homenagem aos deuses e como estes interferem na vida dos homens cria também uma interessante aura de mistério em torno de Túrio e dos momentos mais difíceis do seu percurso.
A história diz respeito a Tarróbriga, ao conflito com os romanos e às grandes vitórias e derrotas, mas, acima de tudo, a Túrio. E é o seu papel na história do mundo que o rodeia e a forma como este condiciona a sua jornada pessoal o mais marcante deste livro. Ao acompanhar Túrio desde o início da sua vida, as diferenças que o caracterizam são, desde logo, realçadas, mas também a forma como essa diferença o afasta das relações normais. E, mais que o seu papel enquanto receptáculo dos deuses, é o seu crescimento enquanto ser humano e as necessidades naturais - de afecto, de paixão, da simples liberdade de escolher - que nunca poderá satisfazer são parte do que define a sua tragédia. A história de Túrio não é a de um herói e há muito de sombrio no seu caminho. Mas é precisamente essa imagem da juventude e do crescimento através de uma vida em que nem tudo depende da vontade e do esforço o que mais marca. Para Túrio, nem tudo é possível e a forma como a sua história se conclui reflecte da melhor forma os obstáculos da sua vida. 
Mas, ainda que o caminho do protagonista seja o centro e o mais marcante da narrativa, há outras figuras que, de forma mais discreta, contribuem para conferir intensidade à sua história. Dos poucos verdadeiros amigos - diferentes, como ele - com que Túrio pode contar, da estranheza das relações familiares e dos que, ao longo do caminho, lhe transmitem conhecimento, surgem também momentos fortes e, nalguns casos, particularmente comoventes. A história das figuras que rodeiam Túrio têm, também, o seu contributo a dar para o impacto da narrativa. E têm, ainda, o efeito de reforçar a solidão do protagonista, mesmo quando está com aqueles com quem pode contar.
Esta é, pois, uma história que cativa pela interessante caracterização do tempo e do cenário em que decorre, mas principalmente pelo percurso e pela natureza do seu protagonista. A jornada de Túrio é longa, difícil e com algo de trágico que, desde cedo, se insinua. Mas é precisamente esse seu papel - o de um humano de quem os deuses não se compadecem - o que torna tão fácil sentir empatia para com a situação. E é esse percurso que mais marca neste livro em que os deuses e a sua sombria forma de poder marcam o ritmo de uma história com bastante mais de humano que de divino. Muito bom.

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