quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Pretérito Imperfeito (Rosário Fonseca)

É no momento em que Mariana se prepara para apreciar as merecidas férias que um telefonema da mãe arruína os seus planos. Com voz exultante, Lurdes anuncia-lhe que a tia Lúcia finalmente morreu e que têm de partir imediatamente para a Quinta do Africano, onde o testamento da velha senhora será lido. Claro que Mariana não quer ir, mas com pouca auto-estima e demasiado sensível as manipulações da mãe, acaba por acompanhar Lurdes. Mas a reunião de família vai ser bastante mais agitada do que espera, porque, além das inevitáveis quezílias familiares, também o testamento da tia Lúcia irá gerar confusão. É que a velha senhora decidiu ensinar uma lição àqueles que a esqueceram e, por isso, destinou a vasta maioria da sua fortuna à pessoa que encontrar o seu diário e contar aos outros a sua verdadeira história. Uma história bem diferente da que a família inventou para a desprezar e que irá tocar particularmente aquela que, de entre todos na família, parece ter menos interesse na herança.
De ritmo envolvente e com uma escrita agradável, esta é uma história que, não sendo de grande complexidade, cativa principalmente pela capacidade de despertar emoções. O temperamento das personagens define-se por traços muito vincados, quer nas qualidades, quer nos defeitos, o que serve de base a grandes situações de tensão, entre as quais, se destaca, naturalmente, o inevitável confronto entre Mariana e a mãe. Há, também, grandes contrastes entre personagens como Lurdes e Hermínia, detestáveis por natureza, e Mariana e João, com fragilidades e defeitos, mas também com características redentoras. O resultado é uma história de emoções intensas, em que comportamentos revoltantes contrastam com um percurso de crescimento muito interessante, bem como da revelação de um passado para a personagem que, apesar de ausente ao longo de toda a história, acaba por ser a figura central e a mais marcante de todo o livro.
Também a escrita é cativante. Simples e sem grandes elaborações, molda a história de forma envolvente, criando também um interessante contraste entre a voz que narra a história e a de Lúcia no seu diário. Há alguns momentos que podiam, talvez, ter sido desenvolvidos de forma mais aprofundada, principalmente no que diz respeito à história de Lúcia durante a Segunda Guerra Mundial. Ainda assim, nada de essencial à história é deixado por dizer e o retrato da verdadeira Lúcia, tão diferente do que a família lhe construíra, é tão marcante pela história que encerra como pelo efeito que exerce sobre as fragilidades de Mariana.
Trata-se, portanto, de uma história envolvente e agradável, sem grandes complexidades mas com muita emoção e um conjunto de personagens que, com o melhor e o pior das suas características, acabam por reflectir traços reconhecíveis em muitas pessoas reais. Uma leitura cativante, em suma. Gostei.

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