segunda-feira, 4 de março de 2013

As Recordações de Edna (Sam Savage)

Convidada por uma editora a escrever um prefácio à nova edição do livro do falecido marido, Edna dá por si a regressar à escrita. Incapaz de escrever o tal prefácio curto, começa a trabalhar no que pretende que seja uma longa introdução ou até mesmo um livro sobre as suas memórias de Clarence e da sua vida antes e depois do marido. Mas o que Edna escreve é mais sobre si mesma do que sobre Clarence e até as suas recordações da vida em comum fogem ao que seria de esperar de uma homenagem. Ao mesmo tempo que organiza as suas ideias e os devaneios que se tornaram a sua companhia - juntamente com a desagradável missão de tomar conta das plantas e da ratazana de estimação da vizinha ausente - , Edna escreve que um livro que é, no fundo e acima de tudo, sobre si. E nem todas as memórias são agradáveis.
Se fosse preciso descrever este livro numa única palavra, essa seria diferente. E diferente em muitos aspectos, desde a forma como é escrito aos traços peculiares que caracterizam a protagonista e a sua forma de vida. Diferente, porque todas as palavras reflectem a personalidade de Edna, e reflectem-na com todas as contradições, o que cria uma forma de narrar a história que desperta, ao mesmo tempo, estranheza e fascínio e que, não sendo, de forma alguma, fácil de seguir, acaba por ser, ainda assim, bastante interessante.
Ainda que o centro da narrativa esteja nas memórias de Edna, até porque tudo começa com o desafio que lhe pede para falar de Clarence, há muito mais neste livro do que simples memória. O tempo e as experiências vividas deixaram a Edna uma tendência para a introspecção, para divagar entre pensamentos e fantasias. Pensamentos estes que surgem por entre as memórias, que, desenvolvidas ao ritmo a que acorrem à mente da protagonista, não seguem uma linha temporal definida. Não há, por isso, uma linha clara de acontecimentos, mas antes uma série de avanços e recuos a tempos e lugares, acompanhados de ideias que surgem abruptamente - como surgiriam na mente da protagonista. É difícil, por isso, acompanhar, por vezes, o rumo da narrativa. Mas é curioso, também, que esta estrutura algo confusa, um pouco cansativa, acabe por reflectir a confusão interior que é, afinal, a mente de Edna, confusão que, acompanhada por algo de apatia, se reflecte também nos seus actos.
Este é, por isso, um livro que deixa sentimentos ambíguos, com o tal equilíbrio entre estranheza e fascínio a despertar impressões contraditórias. Por um lado, a imensa divagação de Edna torna-se cansativa e as bruscas mudanças de tempo e de memória deixam, por vezes, uma impressão de caos. Por outro lado, é esse caos que define a vida de Edna, um caos meticulosamente construído e que, num estilo de escrita muito próprio, mas muito bom, retrata uma personagem complexa e completa, apesar de todas as suas contradições.
Não é, por isso, uma leitura simples, nem leve, nem propriamente compulsiva. Ainda assim, a impressão que fica deste As Recordações de Edna é a de um livro que, com todas as suas complexidades e ideias emaranhadas, acaba por se aproximar de forma muito precisa às sombras e contradições da vida e da solidão. E é isso, acima de tudo, que alia o fascínio à estranheza, fazendo com que valha a pena ler esta história tão peculiar.

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