quinta-feira, 21 de março de 2013

O Diabo e a Gemada (Sveva Casati Modignani)

Fragmentos de uma infância vivida em tempos de guerra, mas, apesar de tudo, com a tranquilidade possível. Assim são as pequenas histórias que Sveva Casati Modignani evoca neste livro em que as diferentes recordações de infância têm como elo comum a comida: os pratos mais improváveis e as surpresas preferidas, os jantares festivos e o que se comia em tempos de privação. O resultado é uma história feita de pequenos momentos e que, por isso, se apresenta como é: uma pequena parte de uma vida maior, num tempo que passou e não volta.
Enquanto elemento comum a todas as memórias, não é propriamente uma surpresa que seja a comida um dos aspectos mais desenvolvidos deste pequeno livro. Uma parte considerável é, aliás, dedicada às receitas de alguns dos pratos referidos ao longo das memórias da autora. Este é também um dos elementos mais curiosos e cativantes do livro, já que, quer pela peculiaridade de alguns pratos e pelas reacções da pequena Sveva, quer pela forma como a autora, já adulta, as refere na parte dedicada às receitas, é fácil reconhecer diferenças e pormenores peculiares que tornam mais interessante quer a história, quer as características da  gastronomia daquele tempo.
Um outro aspecto que sobressai é que, tratando-se de memórias de infância e, portanto, de um passado diferente (pelo menos nalguns aspectos), as histórias da autora reflectem também diferentes formas de crença e de pensamento, relativas àqueles que a rodearam. Ideias e superstições motivam momentos caricatos e situações complicadas, e, ao mesmo tempo, evocam, na sua diferença, as mudanças que ocorreram desde então. Além disso, ao contar esses episódios de uma forma relativamente simples, é fácil imaginar a situação do ponto de vista de uma criança, problemática, por vezes, e a viver em circunstâncias bem diferentes das actuais.
Há, por outro lado, algumas limitações na forma como as histórias são contadas. Ao dividir as suas memórias em pequenos episódios, fica, por vezes, a impressão de que, sendo a criança o centro de tudo, mais haveria a dizer sobre as personalidades em seu redor. São os momentos mais complicados ou os mais peculiares os que são narrados nestas memórias, realçando, por vezes, as características menos boas dos que as protagonizam. Claro que é preciso entender as coisas no seu contexto, e os tempos eram diferentes, mas fica, por vezes, a impressão de que os melhores traços, o afecto de que, por vezes, a autora fala, não transparece de forma tão clara como seria de esperar.
Trata-se, ainda assim, de um livro cativante e, para cada um desses momentos mais ambíguos, há algo de interessante para descobrir, seja nas recordações gastronómicas, seja na peculiaridade de um momento que realça a forma como os tempos mudam. Interessante e agradável, portanto, e uma boa leitura.

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