terça-feira, 4 de junho de 2013

Anónimos (José Ribeiro)

Histórias simples, de gente normal, de homens, mulheres e crianças a viver na realidade. Assim pretendem ser os contos deste livro. Histórias que, vivendo dessa simplicidade individual, se afiguram verídicas, mesmo vivendo apenas na imaginação. É assim, aliás, que o autor as apresenta na Introdução, onde pondera sobre o que fará um bom livro. Mas cada conto é uma história própria, por isso passemos ao que interessa.
O primeiro conto, Elisabete e Abelardo, fala de uma empregada que deixa a casa onde serve para ir à procura do seu sonho. Entre o descritivo e o divagativo, e, portanto, de ritmo relativamente pausado, esta história cativa pelos laivos de poesia na escrita e pela perspectiva pessoal construída para os sonhos da protagonista, com um bom contraste entre os tempos de ilusões e os de resignação.
Jonas visita o seu pai apresenta um homem em visita ao seu pai em coma, numa história que, sem grandes acontecimentos, reflecte, no fundo, a inevitabilidade da espera pela morte. Também pausado, mas agradável, deixa uma reflexão no pensamento.
Segue-se Jerónimo, história de um sem-abrigo e de como as pessoas reagem à sua presença. Com tanto de narração como de reflexão, também este é um conto pausado, mas que marca pelas questões que a perspectiva do protagonista deixa na memória do leitor.
O Tomé e o Francisco, história de dois rapazes que são enviados para a cidade para trabalhar, marca, principalmente, pelo tom triste, quase resignado, com que a sua viagem é contada, com as inevitáveis atribulações de percurso. Bem escrito, cativante e com um bom impacto emocional, este é um dos melhores contos do livro.
Segue-se A Noite de Núpcias da Carmen, mais uma história de sonho e desilusão, desta vez na figura de uma rapariga que anseia pelo seu casamento para descobrir uma realidade bem mais difícil. Cativante e também um pouco triste, uma boa história.
Hannah e Hans é também uma história de ilusões e realidade, mas num cenário bem mais perturbador. O cenário dos campos de concentração e a sua apresentação da perspectiva de um dos soldados cria momentos verdadeiramente perturbadores, reflectindo nas contradições do protagonista as contradições da natureza humana. Tudo isto origina um conto intenso e com um impacto emocional fortíssimo.
Segue-se Fausto, história de um condutor de ambulâncias e da sua perspectiva do que faz na sua luta diária contra a morte. Também sem grandes acontecimentos, cativa principalmente pela peculiaridade dos pontos de vista do protagonista, que encara o seu trabalho quase como uma corrida.
Maria Rosa, história de uma mulher trabalhadora e de uma vida que anseia por nascer, é um conto cativante, apesar de bastante descritivo e, consequentemente, de um início pausado. Marca, pois, principalmente pelo crescendo de intensidade que culmina num final particularmente bom.
Também a história contada em Maria da Luz é a de uma mulher trabalhadora, mas esta com uma vida amarga. O que sobressai é, por isso, a dor da protagonista e a forma como esta dita o rumo de um conto que, inicialmente divagativo, acaba por culminar num final muito forte.
S. apresenta uma mulher que espera o seu amante, num conto que, apesar da relativa brevidade, é essencialmente uma vasta divagação sobre o que caracteriza a relação entre ambos.
Segue-se Eduard, história de um homem que analisa o seu passado. Introspectivo e ambíguo relativamente aos acontecimentos, este conto deixa a impressão de ser apenas um vislumbre de uma vida sobre a qual muito mais haveria a dizer. Acaba por cativar, ainda assim, pelas imagens peculiares na mente do protagonista.
Em O Doutor M., um jornalista entrevista um político diferente. Também introspectivo, quase filosófico, este conto cativa principalmente pelas peculiaridades dos protagonistas e pela forma como se desviam do estereótipo. Poderia, talvez, haver mais a acontecer, mas os contrastes não deixam de ser interessantes.
A Bola do João é também uma história de sonhos e expectativas, desta vez os de um rapaz que, por ter uma bola nova, espera conseguir finalmente jogar numa boa posição com os rapazes de aldeia. Pausada, mas cativante, esta história enternece pela força e pela inocência evidentes nos sonhos do protagonista.
Por último, O Filho de Belchior, Gaspar e Baltasar conta a história de três reis que, com o seu protegido, atravessam o deserto, seguindo uma estrela. Bastante descritivo e de ritmo pausado, surpreende pela versão alternativa que apresenta para a história dos reis magos.
Do conjunto de todas estas histórias, fica a impressão global de uma leitura agradável e cativante, em que alguns contos são particularmente marcantes, mas em que todos têm algo de interessante na sua perspectiva acerca dos sonhos e das realidades individuais. Uma boa leitura, portanto.

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