quarta-feira, 19 de junho de 2013

Deste Lado do Mar Vermelho (Sónia Cravo)

Esta é a história de Jaime e a dos outros jovens que, com ele, cresceram em cativeiro, para depois encontrar uma libertação tardia. A de Anselmo, suposto tio ou captor cujas motivações está disposto a manter secretas até ao último sopro de vida. A de Lia e Custódio, família de acolhimento e casal de vidas atribuladas, em que a dor e uma loucura benigna parecem andar de mãos dadas. A história, em suma, de como estas vidas se cruzam e se entrelaçam, numa vida quotidiana que é tudo menos rotineira e em que nem todos os mistérios têm resposta, porque há sempre mais perguntas para fazer.
Um dos grandes pontos fortes deste livro é, sem dúvida, a escrita. Relativamente elaborada, não a nível de vocabulário, mas de encadeamento de frases, a narração é construída de forma algo vaga, semeando mistérios entre avanços e recuos temporais e deixando, ocasionalmente, questões por responder. Mas tudo isto é feito, o que é desenvolvido na medida certa e o que poderia ser mais explorado, num registo que oscila entre o poético e o surpreendentemente simples, narrando as acções como são, mas completando-as com palavras - e evocações de imagens - inesperadas. 
A história tanto tem momentos de introspecção como situações de uma intensidade devastadora - sendo, de realçar, é claro, o final belíssimo, entre outros momentos igualmente fortes. Por tudo isto, poderá, talvez, parecer estranho, mas outro dos grandes trunfos deste livro acaba por ser a ambiguidade. A impressão de que há uma resposta escondida, mas que só mais tarde será revelada, e que talvez o seja apenas no limite da perfeição, evoca, afinal, uma das características essenciais da vida - a de que ninguém tem todas as respostas. Além disso, os estados de alma das personagens, por vezes entre a melancolia e a tristeza profunda, reflectem a sua máxima vastidão nesta ambiguidade, espalhando-se por pensamentos e comportamentos passíveis de diferentes interpretações.
De referir, ainda, o desenvolvimento de toda a questão do cativeiro das crianças. Sendo este o principal mistério do livro, e a grande pergunta que paira ao longo de todo o enredo, surpreende a forma como toda esta situação se conclui, entre respostas inesperadas e acções igualmente surpreendentes. A história cresce para ser muito mais que este mistério, mas a forma como este é revelado acaba também por ser um dos melhores momentos do livro.
Nunca será, por tudo isto, uma leitura compulsiva, já que, apesar da relativa brevidade, há inúmeros detalhes a assimilar e, entre a introspecção e as oscilações entre presente e memória, o ritmo acaba por ser relativamente pausado. Mas é, ainda assim, um livro que marca, tanto pelos momentos mais intensos como pelos traços vagos que, em pensamentos e em personagens, se aproximam do que caracteriza a vida de muitos. Uma boa leitura, portanto. Gostei.

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