domingo, 27 de julho de 2014

Quantas Madrugadas tem a Noite (Ondjaki)

De um homem com uma história para contar chega o percurso de AdolfoDido, indivíduo de nome peculiar e de vida (ou vida depois da morte) ainda mais estranha. É da sua morte, aliás, que nasce a história, uma aventura de improváveis peripécias que, dos caminhos do cadáver às ramificações políticas e jurídicas da sua morte, se expande também para as vidas dos que o conheceram e que acompanham agora os seus últimos momentos antes do descanso. Mas serão mesmo os últimos?
Uma das primeiras coisas a chamar a atenção neste livro é a forma de escrita. É num tom coloquial, de conversa de bar, que o narrador conta a história do protagonista e, por isso, divaga entre diversos momentos da linha temporal, memórias e reflexões, além das inevitáveis passagens pelo cenário da própria conversa. Junte-se a isto um conjunto de termos pouco conhecidos, e o resultado é uma impressão de estranheza inicial, da qual resulta muito para assimilar. Mas, curiosamente, e uma vez assimiladas estas particularidades da narrativa, a leitura torna-se não só muito interessante, pela história e pelos pensamentos que lhe estão associados, mas também cativante na fluidez que essa forma muito própria de contar lhe transmite.
Ora, a estranheza não se aplica apenas ao registo da história. A própria história está repleta de acontecimentos e de personagens improváveis e caricatos, começando, desde logo, pelo nome do próprio morto, mas estendendo-se às restantes personagens e a toda a questão em torno da morte do protagonista. E, caricata como é, esta é também uma história sempre cativante, cheia de surpresas e com uma base de questões sérias a surgir de entre a aparente leveza. Que mais seria de esperar da história de um morto que chega a ser preso, levado a tribunal e causa de interesse nacional devido à disposta entre as suas supostas viúvas?
Nunca chega a ser uma leitura compulsiva. A dispersão do narrador entre os diferentes momentos e as suas próprias divagações fazem com que os acontecimentos acabem por avançar de forma relativamente pausada. Ainda assim, há, em tudo o que de estranho e de relevante há nesta história, muito de interessante, seja nos episódios caricatos, seja nas ideias - e até nos sentimentos - que lhes estão associados.
E, assim sendo, poder-se-á dizer deste Quantas Madrugadas tem a Noite que conta uma história com tanto de estranho como de envolvente. E que, no muito que tem de interessante e de inesperado, é, sem dúvida alguma, uma boa leitura.

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