quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Olhai os Lírios do Campo (Erico Verissimo)

Apesar de sempre ter ambicionado uma vida diferente, Eugênio cresceu numa família pobre e foi a custo que conseguiu formar-se em medicina. Escolheu o seu caminho devido a uma vaga noção de heroísmo associada à profissão de medicina, mas nunca esqueceu a ambição, o desejo de fortuna. E, finalmente, através de um casamento por interesse, conseguiu-a. Mas basta um instante e toda a sua história é abalada. Informado de que Olívia, a antiga companheira e a única mulher que realmente amou, está às portas da morte, Eugênio revisita todo o seu passado. O que encontra dentro de si ao correr rumo ao hospital é todo um mundo de memórias capazes de abalar a sua escolha de vida.
Ao mesmo tempo história pessoal de uma personagem e retrato do contexto em que ela se move, este livro tem como grande ponto forte o cenário que constrói, com as desigualdades como pano de fundo, mas também com a colisão dos diferentes ideais dominantes no seu tempo. Ao longo da narrativa, o autor pondera sobre as ideologias fascistas, o abismo que separa ricos e pobres, o acesso da mulher a uma escolha de carreira e a importância da fortuna para a felicidade, em conjugação ou em detrimento de outros valores. Todos estes assuntos criam uma narrativa algo introspectiva, mas em que os pontos de vista das várias personagens são bastante vincados. O resultado é que o percurso de mudança de Eugênio ganha um maior impacto, mas também que, através do comportamento das personagens, o pensamento ganha um reflexo prático.
Apesar das, por vezes, extensas ponderações e dos diálogos mais ou menos filosóficos, este livro tem também drama e tensão em abundância. Entre o amor e a distância, o contacto com a morte e a vergonha das origens, a transgressão e a resposta necessária, há, ao longo do enredo, vários momentos de grande intensidade. Nem todos imprevisíveis, é certo, o que, de certa forma, lhes atenua o impacto emocional, mas, apesar disso, cativantes na forma como equilibram o evidente dramatismo com a mensagem que lhe está subjacente.
Voltando ainda ao percurso de Eugênio - que é, no fim de contas, o de quase toda uma vida - fica, por vezes, a impressão de uma parte da história deixada por contar, não só relativamente à busca de Ernesto, mas também às possibilidades deixadas por explorar no seu percurso enquanto estudante e, depois, jovem médico. Ainda assim, o essencial está lá e o caminho do protagonista da ambição à descoberta é, ainda e sempre, uma mensagem muito clara sobre o que realmente importa na vida.
Mais que uma história de amor, esta é, pois, a caminhada de um homem à descoberta de si mesmo. E, vista como tal, a história deste livro, contada pelo drama e pela emoção, mas também na sua vertente mais introspectiva, acaba por se revelar especialmente marcante no contexto e na mensagem que tem associados. Vale a pena ler, portanto.

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