sábado, 13 de dezembro de 2014

Três Bichos te Esperam, Quatro te Comerão (Manuel Andrade)

Ante a proximidade da morte, um homem recorda a sua vida a partir de uma cama de hospital. Da paixão proibida ao casamento resignado, passando pelas memórias de amigos e conhecidos, de pequenos grandes momentos de felicidade pura ou da mais completa angústia. Entre memórias, teme e espera pela morte, ciente de ser pouco mais que um corpo à beira da extinção, mas recordando quanto mais não foi e o sentido de tudo o que viveu. A história, no fundo, é tanto a da sua vida como a de todas as vidas, do início até aos últimos momentos. E é esse, afinal, o verdadeiro impacto do seu percurso: no fim da vida, o homem que recorda poderia ser qualquer um.
Uma das primeiras coisas que importa dizer sobre este livro é que nunca será uma leitura fácil. E por duas razões. A primeira prende-se com as peculiaridades de um estilo de escrita que parece divagar entre os rumos da memória do protagonista. Não há uma linha temporal definida, mas antes uma oscilação entre o presente da personagem e as memórias que lhe acorrem ao pensamento. Mas, mais que isso, presente e passado confundem-se num labirinto de ideias, por vezes misturados numa mesma frase. O resultado é a necessidade de uma concentração constante, já que o desfiar das memórias se pode tornar, por vezes, um pouco confuso, mas também uma maior percepção da ideia de alguém que vê a vida passar-lhe diante dos olhos na iminência da morte.
A outra razão para que esta não seja propriamente uma leitura leve prende-se com o tema em si. É que, sendo um percurso de recordações na iminência do fim, a presença da morte acaba por ser o elemento dominante em toda a narrativa. Mesmo nas recordações dos bons momentos, mesmo nas breves percepções de felicidade, a consciência da mortalidade e a aproximação da morte são sombras que pairam sobre todo o percurso. E, assim, esta é tanto uma viagem pela vida do protagonista como uma vasta e pertinente sobre a inevitável percepção de que todos somos mortais.
Ainda um outro ponto particularmente relevante é o facto de, apesar das inevitáveis considerações gerais sobre a morte enquanto facto universal, a jornada do protagonista é, acima de tudo, pessoal. Não há, por isso, a tentação dos lugares comuns sobre o assunto, mas antes um caminho individual a partir do qual se tiram conclusões mais vastas. É fácil, por isso, reconhecer o protagonista como mais que o veículo para uma mensagem, como uma personagem completa e humana a caminho de uma passagem que a todos diz respeito. 
Eis, pois, uma viagem que é, acima de tudo, a história da vida de um homem lembrada a partir do fim. Uma história cativante, ainda que sombria, capaz de despertar reflexões profundas e com um impacto memorável na percepção de quem lê. Uma boa leitura, portanto.

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