quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Salvo-conduto (Boris Pasternak)

De um atormentado amor à música à descoberta das palavras nos meios intelectuais: o crescimento de um jovem artista no seio do seu tempo, entre viagens e desilusões, heróis e traições. Assim é o percurso narrado neste Salvo-conduto, um caminho onde, por vezes, as memórias são difusas e a linha temporal se confunde entre os momentos, mas em que as palavras são belíssimas e, por isso, são elas que ficam na memória.
E, começando pelas palavras, são elas precisamente a razão que leva a que este livro deixe sentimentos ambíguos. É que, num registo muito introspectivo, em que não há uma linha definida para os acontecimentos, mas antes uma narração ao ritmo da memória, esta não é, de todo, uma leitura fácil. É difícil seguir o percurso do narrador e reconhecer o papel daqueles de quem fala ao longo do livro. E daí resulta que, apesar da brevidade, este acaba por ser um livro estranhamente complexo, em que ideias e experiências se confundem num percurso que nem sempre é fácil de acompanhar.
Mas, apesar disso, as palavras cativam. Há uma beleza intrínseca na forma de expressão do narrador, todo um conjunto de frases que, por si mesmas, surpreendem e emocionam. Por isso, se, por vezes, se torna demasiado esbatida a linha dos acontecimentos, ainda assim, as palavras mantêm presa a atenção. E, à medida que a conclusão se aproxima, cria-se, apesar da confusão, uma certa proximidade, que culmina num final que, apesar da distância que por vezes se sente, acaba por se revelar como especialmente marcante.
Ainda um outro elemento que dificulta a leitura é a profusão de nomes, já que nem todos são assim tão familiares ao leitor comum. Ainda assim, e uma vez detectadas as particularidades da narrativa, facilmente se deduz o papel dessas figuras, não tanto como personalidades do meio intelectual, mas mais como influências na vida do próprio narrador. E, assim, a sua identidade torna-se secundária, dando prioridade ao impacto que têm na vida daquele que conta a sua história.
A impressão que fica é, portanto, a de uma narrativa difícil de seguir, mas pontuada por alguns momentos marcantes, e que, independentemente dos elementos mais confusos, cativa e surpreende pela beleza da escrita. E isso basta para que valha a pena ler.

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