terça-feira, 24 de março de 2015

Nô e Eu (Delphine de Vigan)

Com treze anos e um QI acima da média, Lou é uma rapariga diferente das suas colegas. Passa a vida a pensar, a inventar teorias e a fazer experiências sobre tudo e mais alguma coisa. A ideia de apresentar um trabalho à turma é algo que a aterroriza. E, enquadrada numa família onde a tristeza parece ter tomado posse de tudo, não está habituada a deixar os afectos fluir. Mas basta um encontro casual e tudo muda. Ao conhecer Nô, a rapariga sem abrigo que lhe inspira o seu trabalho, Lou consegue mais que descobrir a sua verdadeira força. Descobre que, na sua ânsia de dar a Nô uma vida melhor, pode também mudar a vida dos que lhe são mais próximos.
Narrado pela voz de Lou e reflectindo, acima de tudo, os seus pontos de vista, este é um livro que tem tanto de inocente como de perturbador. Inocente porque, apesar da sua inteligência acima da média, Lou continua a ser uma rapariga de treze anos, com todas as esperanças e sonhos da juventude ainda bem definidos. Perturbador, porque a história de Nô poderia ser a de muitos outros, e porque, por mais que se tente fazer, nunca é suficiente.
Nô e Lou vivem em mundos completamente diferentes, mundos que colidem ao longo desta história. É, aliás, o choque entre estas duas vidas que faz com que tudo se altere e, por isso mesmo, é esse percurso de mudança o verdadeiro centro desta história. A história de Lou, que ainda acredita que a vida é relativamente justa, que acha que, se se pode fazer alguma coisa, então deve-se fazer, que está disposta a tudo para manter o afecto que conseguiu com Nô, mesmo quando tal parece impossível. E a de Nô, da sua vida na rua, das tentativas de se manter de pé e das quedas numa espiral de auto-destruição, através da qual se vislumbram, ainda assim, gestos de uma capacidade humana em tudo superior.
Mas a vida de Lou é também a vida dos que a rodeiam, os mesmos que, com o evoluir dos acontecimentos, se tornam também parte da vida de Nô. E isto faz com que, além da questão da vida nas ruas, haja ainda um outro conjunto de temas relevantes a sobressair desta história. A depressão, o vício, a negligência são pontos bem presentes na vida das personagens, pontos que realçam que não é só Nô que precisa de ajuda. Acaba por ser esta, aliás, outra das grandes forças deste livro. É que não há uma personagem mais importante que as outras. Tudo importa, à sua maneira, e isso é particularmente visível por ser contado pela voz da própria Lou.
Por último, importa ainda referir a escrita. Em tom de instropecção, com momentos quase poéticos e um registo muito pessoal, a autora cria para Lou uma voz muito própria, na qual é possível reconhecer a inocência, mas também aquela melancolia dos que cresceram depressa demais. Melancolia que reflecte na perfeição os tons e as sombras da narrativa, onde grandes afectos e pequenas conquistas parecem erguer-se, a custo, de um labirinto de tristeza.
Trata-se, portanto, de um livro que, num tom intimista e pessoal, individualiza questões universais, tornando-as próximas das personagens e do leitor. Triste, mas belíssimo, é, pois, um livro que cativa e que surpreende. E que, por todo um conjunto de pequenas e grandes coisas, fica na memória. Muito bom.

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