quarta-feira, 4 de março de 2015

O Mundo de Fora (Jorge Franco)

Isolda é uma criança diferente. Livre e um pouco selvagem, vagueia pelos bosques que rodeiam o castelo do pai, acompanhada de lendárias criaturas que lhe penteiam os cabelos. Não sabe - não tem como saber - que olhos a observam e com que força de sentimentos. Noutro tempo que não o seu, o pai, o excêntrico que sonhou com o castelo, que se tornou dono de uma parte de Medellín, vive a sua mais negra hora. Sequestrado por um grupo que exige resgate, não está disposto a ceder num uma palavra em colaboração. Mas não sabe que também o seu algoz ama a sua Isolda, e que há uma linha que os une e que não poderá quebrar antes do fim.
Onírico na descrição do mundo de Isolda, por contraste a crua frieza da realidade de Medellín, este é um livro que se situa entre dois mundos e que, por isso, cativa, em grande medida, pelo impressionante contraste entre essas duas facetas complementares. Há uma estranha ligação entre indiferença e inocência, entre a frieza cruel da concretização de um plano e a quase sobrenatural ânsia de uma liberdade interior. O mundo de Isolda e o dos captores do seu pai são, no essencial, mundos em colisão, o mesmo se podendo dizer da comparação entre passado e presente na vida de Dom Diego. 
Tudo isto se conjuga numa teia de ligações mais ou menos evidentes, mais ou menos naturais, moldando, num delicado equilíbrio, uma história em que o real e improvável coexistem de forma quase pacífica. Há algo de misterioso na forma como Isolda é caracterizada e o mesmo acontece com o desenrolar da situação de Dom Diego. Além disso, ao construir a narrativa através de avanços e recuos no tempo, o autor insinua pistas para o que poderá vir a acontecer, ao mesmo tempo que esconde muitas outras possibilidades. Desde as primeiras páginas e até ao fim, muito se adivinha e, mesmo assim, quase tudo é inesperado, tanto no que é dito como no que se deixa à imaginação do leitor.
E depois há a escrita. Enigmática, com laivos de poesia, feita de beleza e de contrastes, um pouco como as histórias a que dá voz. Fluída e harmoniosa, adapta-se na perfeição ao conteúdo, realçando os momentos mais intensos ou evocando uma vaga melancolia ante reminiscências do passado ou uma perda por acontecer. Equilibrada, também.
E assim, a soma de tudo é uma história com tanto de mágico como de cruel, inocente e perturbadora, misteriosa e infinitamente fascinante. Uma leitura memorável, onde nem tudo tem resposta e nem todas as respostas são as desejadas, mas são, seguramente, as mais adequadas. Muito bom.

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