sexta-feira, 22 de julho de 2016

Cinzas de um Novo Mundo (Rafael Loureiro)

Ano 2111. O mundo tornou-se negro, fruto dos conflitos dos homens e de uma evolução tecnológica que, em vez de melhorias, trouxe um mar de poluição e uma estratificação social em que poucos - muito poucos - mantêm um mínimo de dignidade. Mas há mudanças prestes a ocorrer e o seu protagonista (ainda que, talvez, involuntário) está pronto. Filipe, agente de uma força policial cujo objectivo é combater a droga que mantém vivos os Tecnal, híbridos forçados de humanos e máquinas, começa a questionar a justiça do sistema de que faz parte. A verdade é que tem muito pouco a perder e a forma como vê o mundo que o rodeia dificilmente poderia ser mais negra. E, quando o seu caminho se cruza com um Tecnal capaz de lhe dar respostas que ele não tem, o ponto de não retorno torna-se cada vez mais próximo. Terá de escolher entre continuar a fazer perguntas perigosas ou viver tranquilamente o tempo que lhe resta. Mas há olhos e esperanças postos nele - alguns deles mais antigos do que qualquer humano normal.
Deixem-me pôr as coisas da maneira mais simples possível: há muito, mesmo muito, de bom para descobrir neste livro. O cenário, o contexto, as importantíssimas questões que evoca. A força das personagens, as emoções, a forma como descobrem aquilo que realmente importa. A escrita, que abre uma imensa porta para dentro da cabeça das personagens centrais. E um regresso a um mundo... diferente... mas familiar quanto baste para quem leu a trilogia Nocturnus.
E, com tudo isto tão presente, por onde devo começar? Ah, sim. Por Filipe, claro. É que há algo de incrivelmente fascinante num protagonista que, endurecido pela profissão e pelo mundo em que vive, revela desde muito cedo ter o coração no sítio certo (ainda que esteja disposto a tudo para impedir que alguém descubra). Enquanto protagonista, Filipe é uma figura interessantíssima. Tem valores, mas também vulnerabilidades. É carismático, mas tão falível como qualquer outro na sua posição. Sabe o que está certo, mas duvida face ao peso da multidão. É humano, portanto, em toda a sua complexidade. E isso torna-o fascinante.
Mas Filipe não é a única personagem carismática nesta história. Se é certo que se pode considerar ser ele o protagonista, há outras figuras igualmente relevantes - e interessantes - a surgir ao longo do enredo. Destas, destacam-se, claro, Tauro e Helena, não só pelo papel que desempenham, mas principalmente pela mesma caracterização intensa e profundamente humana com que são apresentados. Helena, que, sob a imagem da assassina contratada, esconde uma história tão complexa como a sua capacidade de amar. E Tauro, o Tecnal sorridente, mas secretamente atormentado pelas memórias que não tem.
Destas três figuras centrais, e de várias outras igualmente cativantes, surge uma história que nunca deixa de surpreender, seja pelas descobertas que vão pautando o percurso de Filipe, seja pelo impacto dessas revelações no contexto global, seja ainda pela intensidade emocional que se pode encontrar tanto nos grandes momentos como nas pequenas coisas. Há momentos de tensão, de mistério, laivos de humor e episódios de partir o coração. E uma intensidade tão pura, tão marcante, tão bem construída, que as dúvidas e os dilemas das personagens perante o mundo em que se movem facilmente se transportam para a mente de quem as segue.
Mas falemos ainda de escrita e da forma como um pensamento especialmente certeiro ou a maneira de descrever um simples gesto transmitem toda a emoção de um momento. É fácil, absurdamente fácil, entrar na cabeça das personagens, principalmente de Filipe. E isto porque o autor dá uma tal força aos seus pensamentos que é apenas natural encontrar os pontos comuns, entrar na pele de um homem em movimento num mundo quase destruído... e reconhecer-lhe o valor quando ele encontra a escolha certa no momento em que tem tão pouco a perder.
Intenso, intrigante, misterioso. E emotivo, para além de tudo o que esperava. É, pois, esta a imagem que fica destas Cinzas de um Novo Mundo: a de uma viagem a um futuro tenebroso, mas onde sempre, e apesar de tudo, ainda há heróis. Brilhante.

Autor: Rafael Loureiro
Origem: Recebido para crítica

Para mais informações sobre o livro Cinzas de um Novo Mundo, clique aqui.

1 comentário:

  1. Excelente recensão! Embora tenha sentido e encontrado mais situações de força por influência da Trologia Nocturnos que para quem a leu acrescenta mais 'afectos', sem bem que para quem não leu não perde nada à compreensão e desfrute desta excelente obra de leitura!
    Sandra Pereira

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