sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Até que o Amor me Mate (Maria João Lopo de Carvalho)

Homem de grandes artes e vida atribulada, soldado, viajante, príncipe dos poetas. Nos versos, deixou um legado para a posteridade. A vida, fê-la de amores intensos, conflitos e querelas, desventuras e aventuras nos lugares mais distantes do império. Corações, conquistou os de várias mulheres, vindo a acabar só, porém, nos seus últimos dias de miséria. Esta é a história dessas mulheres, que, amando-o, esperaram, sonharam, intrigaram... viveram e morreram. E, através delas, surge também a história do poeta e do homem. De Luís Vaz de Camões.
Um dos aspectos mais cativantes neste livro, como, aliás, parece ser característico dos romances da autora, é a forma como várias e diferentes facetas se conjugam para dar forma a uma história vasta, equilibrada e sempre envolvente. E esse equilíbrio torna-se particularmente evidente na forma como a autora percorre a vida das várias mulheres protagonistas deste livro, mulheres que têm em comum essencialmente o laço de afecto que as une ao poeta, reflectindo através delas um contexto histórico delicado, uma vida cheia de tribulações e um sem fim de emoções bem vivas.
São, aliás, estes três aspectos, e a maneira como se conjugam, a grande força desta narrativa. O contexto histórico, que vai sendo desenvolvido ao ritmo do papel desempenhado pelas várias narradoras. A vida atribulada do poeta, com todas as interferências e vicissitudes associadas aos que lhe têm afecto... ou inveja. E as emoções - amor, ódio, ciúme, esperança, desespero - que tão bem ganham vida na forma como a autora as descreve. 
Ora, destes três aspectos emergem ainda dois outros pontos fortes. O primeiro é a escrita em si, que, dando a cada uma das mulheres uma voz própria, permite também ter uma percepção mais clara das suas circunstâncias. Em comum, como disse, têm o afecto por Luís Vaz, mas vêm de meios (ou até de mundos) diferentes e isso nota-se na forma como narram a sua própria parte da história. Também isto contribui para o delicado equilíbrio que torna esta história tão cativante. 
O outro é um pouco mais difícil de explicar, mas prende-se essencialmente com a forma como, através dos múltiplos pontos de vista, é possível vislumbrar não só a realidade das várias mulheres que contam a história, mas também as suas ilusões. Movidas, acima de tudo, pelo amor, há coisas que vêem do seu poeta, mas também coisas que querem ver e que, nalguns casos, outras percepções parecem depois desmentir. E, assim, surge uma questão interessante: a de até que ponto o amor é cego ou tolda a percepção da realidade.
Intenso, equilibrado, feito tanto de intrigas de corte como de genuínos afectos, este é, pois, um livro em que contexto histórico, experiência pessoal das personagens e impacto emocional se conjugam nas medidas certas. O resultado é uma história que cativa desde muito cedo e não deixa de surpreender até ao fim. Muito bom. 

Autora: Maria João Lopo de Carvalho
Origem: Recebido para crítica

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