segunda-feira, 2 de outubro de 2017

O Senhor Ibrahim e as Flores do Alcorão (Eric-Emmanuel Schmitt)

Moisés está por sua conta. Isolado no seu mundo, o pai trata-o com frieza e não parece ter nada de bom a transmitir-lhe. Mas, em plena adolescência e com vontade de descobrir a vida, Momo encontra as alegrias de que precisa nos lugares mais inesperados: na companhia das prostitutas da Rua do Paraíso, e na improvável amizade que estabelece com o senhor Ibrahim, um merceeiro estranhamente sábio. Tudo começa com alguns pequenos roubos - mas a sabedoria partilhada faz nascer uma grande amizade. E quando o pai de Moisés o abandona em definitivo, o senhor Ibrahim abre-lhe as portas do seu coração - convidando-o a partilhar consigo a maior das aventuras.
História de uma amizade improvável, e também das dores de um crescimento solitário, este é um livro que cativa, acima de tudo, pela simplicidade. É uma história breve, em que tudo se cinge ao essencial e em que os grandes afectos e as grandes perdas surgem com a mesma facilidade. E claro que isto deixa sentimentos ambíguos, pois seria interessante saber mais: sobre a história do pai de Momo, sobre a viagem com o senhor Ibrahim, sobre o próprio senhor Ibrahim antes de se tornar no merceeiro do bairro. Mas a verdade é que o essencial está lá e a inocência com que a história é contada compensa amplamente o que é deixado por dizer.
É de Momo a voz que conta esta história, o que faz com que tudo se torne mais pessoal. Além disso, Momo é uma mente em crescimento, alguém em plena aprendizagem face às suas experiências, e acompanhar este percurso não só em actos, mas também na evolução do pensamento, torna tudo muito mais próximo e cativante. Momo dá-se a conhecer em pleno - bons e maus pensamentos, forças e vulnerabilidades, qualidades e defeitos. E é talvez esta humanidade, associada à inocência de quem ainda tem tanto por aprender, que faz dele uma personagem tão forte.
Há ainda um outro aspecto curioso. Apesar da simplicidade da narrativa, quer em termos de história, quer de escrita, há um evidente cuidado em não simplificar nada em demasia. Isto é particularmente evidente na forma como a família de Momo é caracterizada e nas relações delicadas que entre eles parecem existir: o pai de Momo é um homem frio e aparentemente desinteressado, mas há verdades que apontam que há algo mais subjacente a isso. A mãe surge acompanhada de muitas verdades, mas representa também algo difícil de superar, pelo que a forma como a relação fica entre ambos acaba por fazer bastante sentido. E quanto ao irmão... bem, aí fica uma certa curiosidade insatisfeita, mas também esse mistério - esse porquê - acaba por ter uma razão de ser.
Tudo somado, a impressão que fica é a de uma leitura simples e breve, mas com uma história sempre envolvente e uma muito relevante mensagem de afecto sem barreiras. Cativante, enternecedor e surpreendente, um bom livro.

Autor: Eric-Emmanuel Schmitt
Origem: Recebido para crítica

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