sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Revoltada (Evgénia Iaroslavskaia-Markon)

Revolucionária por natureza e capaz de tudo questionar num sistema onde poucas questões eram permitidas, foi no confinamento da solitária e pouco tempo antes da execução que Evgénia Iaroslavskaia-Markon escreveu a sua autobiografia. Um texto que, longe das reminiscências e das nostalgias, vinca antes uma história de luta e um ponto de vista muito firme sobre o sistema soviético. Em breves páginas, Evgénia traçou a sua vida e a do marido, Aleksandr Iaroslavski, num registo intenso, feroz e claro que é todo um retrato do tempo e das mentalidades.
Embora seja a autobiografia de Evgénia o cerne deste livro, importa dizer que nem só deste texto é possível retirar informação pertinente. É do conjunto do todo - incluindo prefácio, anexos e posfácio - que se retira uma visão mais ampla do que terá sido a vida e morte da autora. E é claro que, sendo este, acima de tudo, o registo de um percurso pessoal, há ainda todo um mundo mais vasto que fica por abordar, ainda que os pontos de vista de Evgénia consigam vincar com toda a clareza muitos dos grandes problemas do seu tempo. Mas é Evgénia o cerne. É a sua história a base em que todo este livro assenta. E, sendo certo que fica sempre a vontade de saber mais, tudo o que é essencial está bem presente.
Também há muito material para reflexão neste livro, não só no que diz respeito ao percurso de Evgénia, mas principalmente no que concerne às suas ideias. A busca da revolução entre os criminosos, a ideia de um regime que nunca pode ser revolucionário, pois sê-lo implica a pretensão de um derrube, a visão de um sistema que adulterou as suas próprias ideias... tudo isto emerge das páginas da autobiografia, levantando várias questões pertinentes sobre os limites do poder, o autoritarismo, e as diferenças entre um sistema idealizado e a sua aplicação prática.
Por último, importa destacar a importância do livro enquanto retrato das arbitrariedades possíveis. Curiosamente, esta impressão não surge tanto do relato da própria Evgénia, mas antes do do guarda presente no momento da execução. Ainda assim, este é um elemento bem presente em todo o livro, já que o próprio percurso de Evgénia e de Aleksandr é também demonstrativo dessas mesmas arbitrariedades.
A impressão que fica é, portanto, a de um livro relevante, organizado e bastante esclarecedor, em que o cerne pode estar num percurso único e pessoal, mas a partir do qual se pode vislumbrar muito claramente o cenário mais amplo. Interessante e pertinente, uma boa leitura.

Título: Revoltada
Autora: Evgénia Iaroslavskaia-Markon
Origem: Recebido para crítica

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